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O Soito e a terceira Invasão Francesa


 

                                                             A história evoca e elogia os feitos de poucos, esquecendo o sacrifício de tantos.

 

Nenhum historiador, que se tenha conhecimento, alguma vez se deu ao trabalho de saber e dar a saber o que fizeram as tropas invasoras nos povos por onde passaram.

Não foi só a tomada de Almeida, a guerra do Buçaco, o combate do Gravato, ou outros acontecimentos referenciados nos livros, quem fez a história, muitos outros povos situados no caminho escolhido pelas tropas de Napoleão, fizeram história e sofreram a crueldade dos soldados inimigos, no entanto o seu sacrifício permanece ignorado, ainda que vivo e presente em alguns arquivos empoeirados.

No nosso concelho, o facto mais relevante, para aqueles que escreveram a história, foi o combate do Gravato ocorrido no dia 3 de Abril de 1811, mas o que se passou não se resume apenas a este e aos outros episódios.

Os Franceses, após tomarem Almeida no dia 28 de Agosto de 1810, estavam no Soito no dia 30 vindos pela estrada dita militar, uma das duas que ligava Alfaiates ao Sabugal, e estiveram acampados no Forte, obrigando os habitantes, desarmados, a permanecer isolados em suas casas.

O período em que estes actos tiveram lugar (30 de Agosto de 1810 até 8 de Abril de 1811) foi um dos mais dramáticos da história do Soito e hoje, não somos sequer capazes de avaliar o sofrimento e a humilhação a que os seus habitantes foram sujeitos.

Esse dia 30 de Agosto, já lá vão dois séculos, terá ficado marcado na memória do povo durante bastante tempo, e, embora hoje já ninguém tenha a mínima ideia do que aconteceu, a verdade é que os Franceses deixaram aqui uma nefasta lembrança já que os sentimentos de medo eram tais, que o povo não se atreveu sequer a enterrar os mortos que eles provocaram entre os cidadãos, inocentes e desprevenidos, que se encontravam a trabalhar no campo, pois como diz o Padre Alexandre Vaz, pároco do Soito, “ as pessoas tinham medo pois o povo estava cheio de inimigos”.

Nesse fatídico dia, foram mortos seis habitantes entre os 18 e os 40 anos, todos a trabalhar no campo, pois nenhum era soldado.

Alem de um casal: Domingos Gonçalves Luís e sua mulher Maria Martins de 30 anos, “mortos pelo mesmo tiro”, foram também mortos Manuel Nunes de 40 anos, Miguel Alves de 18, Domingos de 18 filho de Domingos Fernandes e Luísa Gonçalves e ainda Domingos Lourenço casado com Maria Robalo.

Estes seis corpos não tiveram direito a sepultura em local apropriado, pois devido à impossibilidade de movimentação das pessoas que eram obrigadas a obedecer aos invasores, foram enterrados no próprio local da morte ou simplesmente abandonados ás feras então existentes, como foi o caso de Domingos Lourenço do qual foram encontrados apenas “restos”

Foram ainda mortos pelos soldados Franceses; Manuel de Oliveira de 65 anos, viúvo de Ana Robalo e Fabiana Gonçalves de 50 anos. 

Mas as vitimas continuaram, e no dia 30 de Janeiro de 1811 foi morto António Garcia de 46 anos.

No dia 26 de Março as vítimas foram Francisco Carvalho, Ana Barrocas, viúva de 40 anos, e José da Luísa, que foi enforcado.

No dia 4 de Abril, portanto logo a seguir ao célebre combate do Gravato, foi morto Domingos Jorge e no dia 5 teve igual sorte Manuel Carvalho, casado com Luísa Esteves, Manuel Robalo de 45 anos, e João Rodrigues também de 45 anos.

No dia 8 de Abril mataram ainda José Lourenço, o que eleva para 17 o número de vítimas oficialmente registadas.

Alguns habitantes fugiram para povos vizinhos, nomeadamente para Vale de Espinho onde três vieram a morrer nesse mesmo ano de 1811 sendo sepultados na Matriz daquela freguesia.

No ano de 1810 foram registados 93 óbitos, porém, 74 ocorreram após o dia 30 de Agosto o que não deixa de ser elucidativo quanto à eventual causa.

No ano de 1811 registaram-se 100, 76 dos quais tiveram lugar até ao dia 30 de Julho

Estes números contrastam de modo bastante acentuado com os havidos nos anos mais próximos 1809 (29) e 1812 (29)

Certamente que não foi por acaso, que durante o tempo que medeia entre 30 de Agosto de 1810 e 30 de Julho de 1811 ocorreram nesta freguesia 151 óbitos, (74 de 30 de Agosto até 31 de Dez de 1810 e 76 desde 1 de Janeiro a 30 de Julho de 1811) um dos números mais altos da história do Soito.

Sabemos que em 1858 se verificaram 158 óbitos, a maioria devido a uma epidemia de “bexigas”, mas no espaço de tempo em questão, sabemos que para além das “bexigas” o povo foi atingido por outras duas doenças que o pároco registou como “maligna”e malária e que surgiram após a passagem do exército Francês, o que pode ter sido, directa ou indirectamente, a causa provável de um tão elevado número de mortes.

Também não é de excluir a hipótese de, praticamente em fim de ceifas, ter sido causado, pelos Franceses algum tipo de destruição ou até confiscação das colheitas, o que se veio a reflectir na escassez dos produtos alimentares recolhidos, provocando carências de toda a ordem e consequentemente a fome.

Alguns autores, como por exemplo Nicole Gotteri no seu livro Napoleão e Portugal, impresso em 2006, afirmam que a maioria das obras de arte sacra em ouro ou prata existentes nas igrejas por onde passou o invasor foram pilhadas e o espólio derretido para cunhar moeda, perdendo-se assim uma boa parte da história desses povos no qual o Soito se deve incluir.

Mas não foi só o Soito que sofreu as consequências da “invasão dos inimigos”, Alfaiates, embora com registos incompletos, também conta pelo menos 11 mortos segundo registos do padre José Fernandes Sanches que também refere dezenas de mortos para cuja causa aponta a “peste.

Aldeia da Ponte certamente não escaparia à triste experiência, porém, por inexistência documental entre 1703 e 1851 nunca saberemos a verdade o que é igualmente válido para o Sabugal (Santa Maria do Castelo e São João) de cujas freguesias também não existe a documentação referente ao período em questão.

Ti Carlos

 

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