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O Contrabando no Soito

O contrabando no Soito

Quando a região de Riba Côa passou a fazer parte do território nacional em 1297 e como espiritualmente continuou a pertencer ao Bispado de Ciudad Rodrigo até 1403, as suas gentes continuaram a usufruir de privilégios em relação à troca e à circulação de mercadorias entre o País e Castilha.
Quando mais tarde no começo do século XV a soberania se tornou plena, as trocas continuaram a ser feitas à margem das leis e ainda até há bem pouco tempo muitos dos produtos de primeira necessidade, desde pão, azeite, tecidos, ferramentas, frutas, louças e perfumes, ou outros, eram provenientes de Espanha, transportados a ombros e a pé por muitos para uso pessoal ou outros que viam nesta actividade a única forma de subsistência e que em lugar de ser considerada contrabando devia ter sido classificada como serviço público, já que o país vizinho era a única fonte e fornecedor desses bens a esta região.
Com as guerras (Peninsular, 1ª e 2ª Grandes Guerras) e devido às necessidades de um ou de outro lado o contrabando tomou proporções empresariais e eram várias as sociedades dedicadas a tal pratica,
Embora já antes tal se verificasse, foi por altura da segunda grande guerra, que a procura internacional de minério por parte dos beligerantes se tornou mais intensa e o país, porque neutro, não se queria ver envolvido embora exportasse legalmente volfrâmio para ambos os lados, situação que terminou no dia 1 de Junho de 1944, quando Salazar decretou a “proibição da exportação para todos os beligerantes”, logo, o negócio do contrabando florescia; primeiro a pé com o “carrego” 25 e às vezes 50 Kg  ás costas dezenas de quilómetros, centenas de homens e adolescentes palmilhando veredas de cabras, esgotavam as forças em trabalho tão hercúleo ou caiam vitimados pelas balas da Guarda Fiscal ou da Guardia Civil. Depois vieram os cavalos e até aos anos oitenta eram às centenas transportando quase sempre de noite, os mais variados artigos, tabaco para lá, fazendas e máquinas para cá, para atender à procura existente por parte dos consumidores que preferiam esse tipo de mercadorias.
Actividade de alto risco, foram muitos os que nela perderam a vida.

O primeiro a ser morto, na altura do transporte do minério e de que se tenha conhecimento, foi Manuel Pereira de Paula, de 53 anos, casado com Maria da Soledade Robalo e filho de José Pereira de Paula e de Maria Martins André, perto de Rendo, no dia 1 de Setembro de 1946. (A.O. 37)

Incapazes de se segurar na montada aquando da travessia do Côa eram arrastados pelas águas então revoltas, onde morriam afogados ou de hipotermia; aconteceu no dia 30 de Dezembro de 1962: (A.O.25 e 26) a dois adolescentes: Hermenegildo Robalo Carrilho de 15 anos, filho de José Manuel Furriel Carrilho e de Isabel maria Robalo Lavrador, e Manuel Joaquim Nunes Fernandes de 16, filho de Carlos Alves Fernandes e de Maria Amélia Nunes, que vinham já de regresso e sem carga. Os cavalos salvaram-se a nado e eles também se salvariam não fosse o frio que lhes enregelou as mãos e os tornou presa fácil das águas.


O dia 12 de Setembro de 1960 (A.O. 17 e 18) foi o último para dois jovens Soitenses; João Marcos Lavrador de 20 anos e José Russo de Carvalho de 30, assassinados pela Guarda-Fiscal nos Foios, que disparou indiscriminadamente, para o grupo de homens que tentavam fugir ainda que nada transportassem, pois já vinham de regresso. Ambos foram atingidos mortalmente, o acontecimento ocorreu a Norte da povoação num pequeno vale próximo do caminho que leva ao Soito e está hoje recordado por um cruzeiro, distante do lugar poucas centenas de metros e à beira da Estrada Foios-Soito.
Em de Agosto de 1954, (A.O. 34) José Augusto Ventura, de 38 anos, casado com Maria Rosa Nabais Alfaiate e filho de Manuel Ventura e de Aurelina Jorge. Um pai de família que costumava comercializar azeite que trazia de Espanha e que transportava dois odres dele em seu cavalo é mandado parar pela GNR do Soito no caminho que vai do Robalbo para a Granja. Ele, ciente de que caso o fizesse lhe seria apreendido bem como o animal que o carregava, não obedece e dá esporas à montada no intento de fugir e salvar o sustento da família, esposa e cinco filhos menores, porém os guardas alheios ao valor da vida, fizeram uso da força das armas que falaram mais alto e abateram cavalo e cavaleiro.
O povo confrontado com o sucedido e indignado faz uma tentativa de revolta, mas a guarda, sabedora das intenções dos cidadãos, requisita mais efectivos e monta um dispositivo de guerra com metralhadoras apontadas ao exterior desde as portas do posto, situado então onde hoje é a casa do Sr. José Russo na Rua do antigo posto da GNR. O funeral realizou-se com pesar incontido mas quanto á reacção do povo e perante tamanho aparato policial, quedou-se pelas palavras de desaprovação e revolta aquando da passagem do féretro a poucos metros do quartel.

Já depois da Revolução de Abril, exactamente de 22 para 23 de Março de 1977, numa noite calma que nada o fazia adivinhar, foi morto Juan Simon Rodriguez, um cidadão espanhol de Valverde del Fresno a escassos cem metros da rotunda de São Cristóvão quando o grupo de cavalos e cavaleiros em que seguia carregados com tabaco sofreu uma emboscada por parte de elementos da Guarda Fiscal do Sabugal que disparou sem saber a quem atingia. Para além desta morte foram mortos também vários cavalos cuja carne alguns populares aproveitaram para consumo próprio como acontecera já em outras ocasiões e em casos semelhantes.

Num país que oficialmente tinha abolido a pena de morte para crimes políticos em 5 de Julho de 1852 e para crimes civis em 1 de Julho de 1867, ela continuava a ser praticada pelas autoridades policiais sem decisão judicial e com o apoio implícito ou mesmo explícito dos seus superiores que algumas vezes sancionavam tal acto com uma promoção do assassino o que era bastante revelador da conta em que era tida a vida humana.

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